Homofobia que não assume o nome

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Fotógrafa Sabrina Marthendal explica exposição contra a homofobia que traz frases ouvidas no cotidiano

Entrevista a Manoel Fernandes Neto

Uma mãe que chora ao se reconhecer em uma frase ofensiva. Um pai que aceita mas não quer ver um beijo homoafetivo. São muitas as formas de expressão da homofobia. Algumas delas propositais, outras involuntárias. Ambas ofensivas em um Brasil embalado por pessoas e políticos com atitudes conservadoras e retrógradas, em algo que um editorial recente do jornal Folha de São Paulo classificou como “inquisidores da irmandade evangélica” e “demagogos da bala e da tortura”.

Longe de ficar restrito ao universo político de um Congresso Nacional medieval, a homofobia chega ao coração cultural do brasileiro até então gentil e diversificado. Hoje ela se manifesta no seu melhor amigo do Facebook, em um encontro domingueiro de família, em pessoas que aceitam o homossexual caricato da TV mas torcem o nariz para o casal homoafetivo que passeia de mãos dadas.

“Mesmo heterossexual, já me senti ofendida diversas vezes por ouvir frases como as que apareceram na exposição. Essas frases estavam, e estão, na nossa pele”, explica Sabrina Marthendal (foto abaixo) fotógrafa e atriz, que materializou uma ideia do coletivo Liberdade LGBT, de Blumenau: trazer pessoas das mais diversas orientações com cartazes de frases homofóbicas ouvidas em cada esquina, escola, igreja e família.

O resultado foi estrondoso, com repercussão em diversas redes e meios de comunicação, e trouxe também uma constatação alarmante: “Muitas das pessoas que disseram as frases escritas nas placas não têm a mínima consciência de que estão dizendo algo homofóbico, ou seja, algo que agrida, mesmo que moralmente, um homossexual. Quando o preconceito é sutil, ele não parece preconceito. E isso é perigoso”, explica Sabrina, que nesta entrevista exclusiva conta em detalhes a experiência com o projeto.


Fotografia: João Paulo da Silveira

Como surgiu a ideia do projeto fotográfico “Eu te ouvi dizer”?

O Projeto Fotográfico foi concebido e realizado em um curtíssimo espaço de tempo. O pontapé inicial foi dado quando fui convidada pelo coletivo Liberdade LGBT, de Blumenau, a fazer algumas fotos para expor no ato público durante a 1ª Semana de Luta Contra a Homofobia.

O coletivo é novo, e a Semana é a primeira ação pública desde sua constituição. Fiquei super feliz de poder fazer algo ativamente pela causa do coletivo, pois vivendo aqui na cidade sei o quanto ela se faz necessária, cada dia mais.

Apesar de ficar um pouco assustada com o curto prazo até o início da Semana Contra a Homofobia (apenas 9 dias), topei na hora e assim seguimos adiante.

A ideia de trazer à luz as frases homofóbicas, em particular, veio em conjunto com o coletivo.

Eu não sou gay mas tenho muitos amigos e amigas que são, e já me senti ofendida diversas vezes por ouvir frases, como as que apareceram na exposição, serem ditas para mim ou para eles. Estas frases estavam, e estão, na nossa pele.

Você escreveu que quer chegar a 100 citações, ou seja, é um projeto aberto, sem fim. Fale-nos um pouco disso.

O objetivo inicial do projeto era conseguir fotografar no mínimo 10 pessoas com suas 10 respectivas frases, mas logo fui positivamente surpreendida, não só pela comunidade LGBT, como por muitos simpatizantes que quiseram fazer parte da ideia e que não só posaram para o projeto como convidaram amigos.

Em menos de 10 dias, fotografei 45 pessoas. Conforme as fotos foram repercutindo pelas redes sociais, mais e mais pessoas ficaram sabendo e agora temos 80 fotografados, e muita gente me pede informações sobre como participar também. Fico super feliz!

A ideia é chegar a 100, mas esse número não é fechado. Afinal, quanto mais gente, mais frases, mais visibilidade, mais reflexão… e menos homofobia. A ideia é essa.

Como está sendo a repercussão até o momento?

Jamais pensei que o Projeto teria a repercussão que está tendo. Diversas matérias sobre as fotos já foram publicadas em jornais impressos e virtuais, entre eles Diário Catarinense, Jornal de Santa Catarina, Brasil Post, Lado A, G1 e, recentemente, pelo The Huffington Post.

Na fanpage do Humaniza Redes (Pacto Nacional de Enfrentamento às Violações de Direitos Humanos do Governo Federal), a postagem sobre o projeto já obteve cerca de 7.900 curtidas e 13.700 compartilhamentos. Eu jamais pensei que teríamos uma repercussão assim. Isso me deixa imensamente feliz, pois a ideia do projeto é, e sempre foi, dar visibilidade a essas frases.

Mas, para mim, um dos momentos mais marcantes até agora, em relação à repercussão do projeto, foi quando um dos fotografados (que havia posado com uma frase que ouviu de sua mãe) me parou na saída do mercado e me disse: “A minha mãe viu as fotos na internet e chorou na minha frente. Ela me pediu desculpas por cada uma daquelas frases que já tenha falado pra mim, porque não tinha ideia de que elas eram ofensivas de alguma forma. Eu nunca tinha visto a minha mãe chorar daquele jeito. Obrigada.” Foi o momento mais bonito que esse projeto me proporcionou.

O projeto tem recebido alguma resistência de grupos específicos?

Assim como tem muita gente que acha o projeto legal e que o considera mais uma ação importante na luta contra a homofobia (assim como tantas outras), também tem muita gente que o acha desnecessário e até mesmo ofensivo.

Acho super positivo o fato de que os leitores tenham tido tantas reações ao verem o projeto publicado por aí. O intuito é sim provocar questionamento com relação ao que é realmente homofobia e o que não é.

Pelo que percebi conversando com os fotografados, muitas das pessoas que disseram as frases escritas nas placas não têm a mínima consciência de que estão dizendo algo homofóbico, ou seja, algo que agrida, ainda que moralmente, um homossexual. Quando o preconceito é sutil, ele não parece preconceito. E isso é perigoso.

Por exemplo, uma frase que causou bastante polêmica nesse sentido foi “Não tenho preconceito desde que não se beijem na minha frente”. Afinal… ela é ou não é homofóbica? Ela afirma “eu não vou te agredir, vou te tratar com carinho e educação, mas o seu beijo não é digno, não é correto, não é aceitável aos meus olhos”. Como isso não seria preconceituoso? Por que o beijo homoafetivo não seria tão digno e tão bonito quanto qualquer outro beijo?

E não é sem pensar que eu digo isso. Esta frase eu ouvi muitas vezes do meu próprio pai, que é uma pessoa que admiro imensamente e que trata meus amigos homossexuais com todo o carinho e amor. Mas fica super desconfortável pensando que eles possam se beijar a qualquer momento. Não acho que meu pai esteja mal intencionado de forma alguma, principalmente porque vejo que existe nele um movimento grande de tentar compreender este universo e não ser preconceituoso, ser respeitoso. Mas muitas vezes a homofobia, que existe há tantos anos em nossa sociedade, ainda permanece teimosa no pano de fundo.

Como você vê hoje o neoconservadorismo da sociedade brasileira?

Confesso que não entendo como ele pode sobreviver ainda, com tanta força. Me assusto. Já passamos por tanta história nesse país e nesse mundo… E às vezes parece que não aprendemos nada.

Como você vê os grupos culturais na resistência da luta pelas liberdades individuais?

Necessários! Muito necessários. Admiráveis. Cada vez mais precisamos de pessoas que celebrem e lutem pela liberdade, pelo amor, pela igualdade.

Existe muita resistência no mundo.

Ouvimos muitos comentários negativos na imprensa quando lançamos a Semana de Luta Contra a Homofobia. E é por isso que a Semana existe.

Enquanto existir a homofobia, também existirão os que lutam contra ela.

Veja todas as imagens do trabalho:
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