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Devoção e valores universais nos 20 anos da Casa dos Açores de Santa Catarina

A Casa dos Açores de Santa Catarina completa 20 anos neste mês de dezembro. Nesse período, a entidade colaborou com o resgate da cultura açoriana em Santa Catarina, bem como manteve vivos os laços culturais que unem Brasil e Portugal.

Nesta entrevista exclusiva para a revista Nice, o presidente da Casa dos Açores de Santa Catarina, Sérgio Luiz Ferreira, Doutor em História Cultural e Professor Adjunto da UFSC, fala do trabalho realizado, de desafios de hoje e do futuro, e dos grandes valores da Açorianidade.

“Devoção ao Divino Espírito Santo e todos valores decorrentes dessa devoção é a maior marca da Açorianidade do mundo,” afirma Sérgio.

Leia a entrevista completa:

Sérgio Luiz Ferreira: “As relações entre Portugal e Brasil estão se estreitando cada vez mais. ” (Foto: Guto Macedo)

Qual o significado dos 20 anos de existência da Casa do Açores de Santa Catarina?

Sérgio Luiz Ferreira – A Casa dos Açores de Santa Catarina foi constituída em dezembro de 1999 por descendentes dos migrantes açorianos que chegaram a Santa Catarina entre 1748 e 1754 e por simpatizantes da açorianidade. O estreitamento das relações entre Santa Catarina e os Açores na década de 1990 levou ao fortalecimento do Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade Federal de Santa Catarina, de onde surgiu a iniciativa da criação da Casa dos Açores de Santa Catarina. A Direção Regional das Comunidades do Governo dos Açores foi fundamental para que a iniciativa lograsse êxito.

Ela tem um perfil diferente da maioria das Casas dos Açores, uma vez que não é constituída por pessoas nascidas nos Açores, mas por descendentes de sexta, sétima, oitava e nona gerações.

O maior objetivo da Casa dos Açores de Santa Catarina é propiciar a integração dos descendentes luso-açorianos, para que valorizem a herança cultural açoriana e que promovam as nossas manifestações mais significativas deixadas pelos povoadores.

 

– Quais foram os desafios vencidos nessas duas décadas e os planos futuros?

Sérgio Luiz Ferreira –  No âmbito das suas atividades, destaca-se a promoção do desenvolvimento social, econômico e cultural das comunidades de raiz açoriana no Estado de Santa Catarina por meio de exposições, apresentações artísticas e publicações literárias.

Paralelamente, já desenvolveu vários projetos de valorização das rendeiras em Santa Catarina. Por intermédio de um convênio com o Programa de Promoção ao Artesanato de Tradição Cultural (PROMOART), Centro Nacional do Folclore e Cultura Popular e IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional), lançou o Centro de Referência da Renda de Bilro de Florianópolis, na Lagoa da Conceição, e, posteriormente, o núcleo de rendeiras de Sambaqui, instalado no emblemático Casarão de Sambaqui e o núcleo de rendeiras do Pântano do Sul, instalado na sede da Associação de Moradores daquele local.

Desde 2010, a Casa dos Açores de Santa Catarina tem participado do Ciclo do Divino Espírito Santo, que é promovido pela Prefeitura Municipal de Florianópolis. Essa festa representa muito mais que uma tradição religiosa, pois consagra também a manifestação cultural e folclórica dos habitantes do litoral de Santa Catarina.

 

No ano de 2018, quando se celebrou os 270 anos da chegada dos primeiros açorianos, a Casa dos Açores organizou, em parceria com entidades públicas e privadas, diversos eventos alusivos à efeméride. Por proposta da Casa dos Açores, o Estado de Santa Catarina sancionou lei estadual que declarou 2018 o Ano dos Açores em Santa Catarina.

Para o futuro, se pretende fortalecer as parcerias e conquistar uma sede cultural para que a população possa ter acesso com maior facilidade ao rico acervo bibliográfico, artístico e artesanal que a Casa possui.

Outra aspecto é o apoio à questão da diáspora.  A Assembleia Legislativa da Região Autônoma dos Açores criou, por proposta do governo dos Açores, o Conselho da Diáspora Açoriana. Os Açores são a primeira região autônoma do mundo a criar um conselho com representantes de sua diáspora. Segundo a lei aprovada, são açorianos todos os que nasceram lá, os que moraram mais de 5 anos, os casados ou união de fato com açorianos e os descendentes de açorianos de todas as gerações. Serão 19 representantes das várias regiões da diáspora. Santa Catarina terá direito a eleger um representante. Há uma site para cadastro de eleitores e de candidatos: acorianosnomundo.gov.pt

– Mais de 272 anos de presença açoriana em Florianópolis, qual a análise que você faz dessa história?

Sérgio Luiz Ferreira –  O Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, Portugal, guarda, entre muitos documentos, um manuscrito de 1750 intitulado “Mappa das Freguesias que tem a Ilha de Santa Catharina e seu continente, distinguindo os eclesiásticos, os militares, os civis e os casais das ilhas”. Esse documento é uma fonte riquíssima de informações sobre a população de Santa Catarina naquele ano.

Trata-se de uma tabela com números em várias colunas, para cada freguesia, com as seguintes informações: vigários, coadjutores, desobrigados da quaresma, casais das ilhas (Açores), filhos das ilhas (Açores), casais da terra, filhos da terra, sargentos maiores, ajudantes, capitães mores, capitães, alferes, sargentos, soldados, tambores e praças. O município de Desterro (hoje Florianópolis) tinha três freguesias na Ilha – Nossa Senhora do Desterro (Vila capital), Nossa Senhora das Necessidades (Santo Antônio) e Nossa Senhora da Conceição da Lagoa – E três freguesias no continente – São José, São Miguel e Nossa Senhora do Rosário (Enseada de Brito).

O município de Laguna tinha duas freguesias – Santo Antônio dos Anjos e Sant”Ana (Vila Nova). O município de Nossa Senhora da Graça do Rio de São Francisco (São Francisco do Sul) era constituída por apenas uma freguesia.

O que chama a atenção nesse mapa de 1750 é a expressividade da quantidade de açorianos na população. O município de Desterro abrangia a Ilha de Santa Catarina e o continente, entre o rio Camboriú e Garopaba. Segundo os dados do mapa, dos 1.260 casais residentes, 998 eram açorianos, 79,2%. Os filhos das ilhas (provavelmente os açorianos solteiros) somavam 3.183, 70% dos solteiros do município de Desterro.

Para os que dizem que os açorianos foram “inventados” no final do século XX, esses números falam por si. De fato, essa população tinha esquecido essa origem, que só possível buscar nos documentos monumentos, como nos ensina Pierre Nora. Somente quando teve sua cultura confrontada nos anos de 1980 essa população precisou valorizar sua identidade e os documentos diziam que eram, de fato, descendentes de açorianos.

 

– Como você analisa a união de Portugal e Brasil no tocante à troca cultural mútua?

Sérgio Luiz Ferreira –  As relações entre Portugal e Brasil estão se estreitando cada vez mais. Santa Catarina também se torna cada vez mais próxima da Região Autônoma dos Açores. Em 1948, quando se comemorou os 200 anos da chegada dos açorianos em Santa Catarina, entre tantos que participaram do congresso, não havia nenhum açoriano e apenas um português do continente. Em 2018, nos 270 anos, muitos açorianos vieram a Santa Catarina, até o presidente do governo dos Açores veio com uma comitiva.

– Qual os maiores valores deixados pela cultura açoriana no nosso estado e país?

Sérgio Luiz Ferreira –  Não há dúvida que a devoção ao Divino Espírito Santo e todos valores decorrentes dessa devoção são a maior marca da Açorianidade do mundo. O filósofo português Agostinho da Silva (1906-1994) dizia que o povo açoriano é portador de uma mensagem de paz e de fraternidade que levou, e continua levando, para o mundo inteiro, como missão, o anúncio da nova era para a humanidade. Fraternidade, partilha e hospitalidade são os grandes valores da Açorianidade em qualquer lugar em que os açorianos se estabeleçam.

Entrevista ao jornalista Manoel Fernandes Neto

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Link externo, leia também:
270 anos da presença Açoriana em Santa Catarina, por Sérgio Luiz Ferreira

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