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Democracia antecipatória: uma nova rota para o país

Por Rosa Alegria

Além de uma crise ética, vivemos uma grave atrofia imaginativa e temporal nas instituições do governo

Imagine se nas escolas os professores começassem a perguntar às crianças o que gostariam de ver ou viver no Brasil quando crescessem. Com que futuro sonham? Como poderiam ajudar a construi-lo?

Ano após ano, exercícios mentais continuos aplicados em atividades criativas reunindo milhões de mentes com imaginação fértil poderiam acompanhá-las durante a vida e mudar o destino da Nação.

Porque como já disse o poeta Raul Seixas, “sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade.”

Como aprendemos desde cedo a olhar somente para o passado acabamos atrofiando nossa capacidade de imaginar tempos melhores. Além de uma crise ética, vivemos uma grave atrofia imaginativa e temporal nas instituições do governo.

Essa semana estou em Montevidéu no Uruguai, facilitando junto com outros futuristas convidados, uma oficina especial para “futurizar” os gestores políticos uruguaios.

O conceito-base é o  “Futures Literacy” (Alfabetização em Futuros) de autoria  de Riel Miller, responsável pelo departamento de futuro  da Unesco que foi especialmente convidado para esse trabalho.

Gostaria muito de estar contribuindo também  para o Brasil, que apesar de ser batizado “o país do futuro” tem seus políticos olhando sempre pelo retrovisor e a cada eleição, de quatro em quatro anos, faz terminar um futuro e começar outro.

Pensando no que seria necessário para que passássemos realmente a ser o país do futuro, lembrei da Democracia Antecipatória, conceito criado pelo futurista Alvin Toffler mas ainda ainda muito pouco conhecido.

A democracia antecipatória seria luz no caminho dos brasileiros, atualmente tão descrentes por conta desses múltiplos escândalos  se replicando e multiplicando a cada dia.

Alvin Toffler, autor de “O Choque do Futuro”, trás, no último capítulo de sua obra, esse conceito e define a democracia antecipatória como o envolvimento ativo e consciente do público na formação coletiva do futuro da sua comunidade, estado ou nação.

O destaque dessa abordagem é que se trata de um futuro coletivo, comum a todos, que traduz os sonhos de uma sociedade em torno de caminhos construtivos com visão comum.

Conheço um punhado de iniciativas de criação de visões de futuro, só que todas restritas a pequenos grupos de intelectuais ou elites de poder.

Nunca nos permitiram sonhar juntos o futuro de nosso país. Roubaram nossos sonhos ou esquecemos de sonhar para comprar os ultimos modelos de automóvel ou celular? O que aconteceu com essas visões de futuro? Viraram papel amontoado nas prateleiras oficiais suspensas no tempo do nunca.

Mas iniciativas recentes dão certa esperança. Curitiba acabou de lançar no dia 22 de março seu programa de desenvolvimento de longo prazo com a participação de toda a sociedade. Sobral é outro exemplo: também se aventurou nessa direção.

De forma participativa e integrada, convocou um grupo de representantes dos diversos setores da sociedade para criar uma visão de futuro para a cidade. No mundo, a Finlândia, Singapura e o Chile já adotaram em seus departamentos governamentais a prática de planejar o futuro.

Aqui no Brasil há uns quatro anos atrás, houve um ensaio dentro do Senado para a criação de uma comissão de futuro que deve ter se diluido.

O último atentado contra o futuro foi a eliminação pelo governo Dilma da SAE Secretaria de Assuntos Estratégicos, órgão que conduzia estudos prospectivos estimulantes para os planejadores.

Somos seres com talento nato para projetar o futuro embora os educadores mal o percebam. Esse talento deveria ser a base do próprio aprendizado e cultivado para vivermos  uma vida mais criativa. Mas de tanto que se insiste no ensino do passado, nossas mentes prospectivas acabaram sendo atrofiadas.

Resta a reorientação de rota de um novo sistema de ensino. O futurista norteamericano Peter Bishop, que foi meu professor na Universidade de Houston, lançou um movimento mundial que se chama Teach the Future (Ensinar o Futuro) propondo essa nova direção educativa que tem força para transformar a sociedade e os governos.

Os últimos sobressaltos políticos que tomaram conta desse país não só refletem uma crise ética  como também uma crise temporal.

Estamos num barco à deriva, sem saber onde vamos chegar e muito menos onde queremos ir. Com essa desorientação institucionalizada, qualquer caminho é válido, desde que seja o da preservação de interesses partidários.

Só se olha pelo retrovisor e se lamenta o que foi perdido. O tempo político brasileiro é o do aqui e agora e a visão de futuro é a do vale tudo para se manter no poder.

A menos que se transformem as nossas estruturas de governança, o Brasil continuará em busca de um tempo perdido, com políticas totalmente despreparadas para os mais complexos desafios que ainda estão por vir, entre eles, o crescimento da população idosa e a necessidade de muito mais alimentos, água e energia.

São desafios e oportunidades para esse nosso país, o mais rico em recursos naturais e criatividade. Que Brasil teremos? Que Brasil queremos?

Para mudarmos a rota na política atual e implantar uma espécie de democracia antecipatória é preciso começar já a  preparar as novas gerações para esses novos tempos através de dois novos paradigmas no ensino: 1) mais importante do que responder é perguntar 2) mais importante do que lembrar do que foi é imaginar o que virá.

Publicado originalmente: DC

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