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A importância das decisões colegiadas no âmbito do processo administrativo fiscal, Romualdo Paulo Marchinhacki |

O processo administrativo fiscal em sentido amplo representa uma espécie de processo administrativo que busca o reconhecimento de uma situação jurídica na relação fisco-contribuinte.

Embora tenhamos alguns tipos de processo administrativo tributário, o mais comum é o processo destinado a determinar a exigência do crédito tributário, ou o conhecido lançamento tributário.

O lançamento tributário pode apresentar vícios formais ou materiais. Os dois podem ser questionados mediante processo administrativo. É assegurado ao contribuinte o direito de tentar desconstituir a exação, mediante a utilização do processo administrativo tributário, que é regido por uma legislação específica, ressaltando-se que, na sistemática brasileira, cada ente da federação adota a sua própria.

O contribuinte autuado tem o direito de insurgir-se contra o lançamento, apresentando, para tanto, sua defesa perante o órgão competente que, em algumas esferas de governo, pode ser um Tribunal especializado, sem jurisdição, ou um Conselho de Contribuintes. Nos pequenos municípios, geralmente o processo tributário é julgado em primeira instância, após parecer do assessor jurídico, pelo Secretário da Fazenda e, em segunda instância, pelo Prefeito.

Esse duplo grau administrativo decorre do princípio da revisibilidade que consiste em assegurar ao contribuinte o direito de recorrer da decisão que lhe foi desfavorável. Decorre também do princípio do contraditório e da ampla defesa, previsto no art. 5º, LV da Constituição Federal, segundo o qual Aos litigantes, em processo administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Na União e nos Estados esse segundo grau administrativo é exercido por órgãos colegiados, o CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, no caso da União, e os Tribunais Administrativos Tributários no caso dos Estados. Os grandes Municípios possuem seus Conselhos de Contribuintes, mas na grande maioria dos pequenos Municípios a revisibilidade das decisões, quando é exercida, é por julgador singular.

Queremos aqui chamar a atenção para a importância da decisão colegiada. A decisão colegiada possui algumas características que reforçam a importância da sua adoção, dentre elas, a despersonificação, ou seja, a decisão é dissociada dos seus membros, que agem com independência, imparcialidade e impessoalidade, evitando-se a concentração do poder nas mãos de uma única pessoa e com isso aperfeiçoando o conteúdo da decisão e a probabilidade de acerto.

A possibilidade do confronto de ideias, a divergência e a argumentação trazida pelos julgadores que participam do colegiado, possibilitam a construção conjunta da decisão fazendo com que ao final se tenha um melhor resultado.

A decisão colegiada não é uma simples soma de entendimentos, ao contrário, pressupõe interação, cooperação e troca de informações entre os julgadores. Exige que os participantes fundamentem e justifiquem as suas razões, propiciando a discussão e o diálogo antes da tomada de decisão coletiva.

Essa interação dos julgadores pode gerar divergências de opiniões e isso é natural, pois não se busca o consenso a qualquer custo, mas sim conhecer todos os argumentos para se chegar ao melhor resultado e nem sempre todos concordam com o melhor resultado. Nestes casos, no sistema democrático a decisão final será dada pelo voto.

O que se quer é a participação das partes e cooperação entre seus membros, sem vaidades, sem competição, fazendo com que a opinião final seja melhor que a soma das opiniões individuais.

As decisões colegiadas dos processos administrativos tributários tem outro importante componente na sua formação que é a paridade entre os representantes do fisco e dos contribuintes. A representação paritária caracteriza a participação democrática da sociedade no processo, dando voz aos contribuintes nas discussões e aplicação da legislação tributária. Os diferentes pontos de vista, argumentos e interpretações trazidos pelos representantes dos contribuintes, agregam valor e maior acerto das decisões.

Inegável que nessa composição paritária do colegiado há uma tendência natural de que os representantes da Fazenda tenham um olhar e uma disposição em acompanhar o entendimento do fisco e, os representantes dos contribuintes estão mais propensos a concordarem com as razões dos representantes dos contribuintes. Isto, entretanto, não retira a imparcialidade, mas demonstra que os diferentes pontos de vista, o histórico e as experiências de cada julgador, influencia nos julgados.

Outro aspecto relevante dos órgãos colegiados no âmbito do processo administrativo tributário é a participação do advogado. Em razão de não ser obrigatória, a defesa do contribuinte muitas vezes acaba sendo feita por ele próprio ou por seu contador, sem conhecimento técnico. Considerando a complexidade da legislação tributária, a ausência de defesa técnica acaba colocando o contribuinte em situação desfavorável na demonstração do seu direito.

Atualmente isso vem mudando, tendo sido observada uma crescente participação dos advogados desde a primeira fase do processo administrativo tributário, assegurando ao contribuinte não apenas o contraditório e a ampla defesa, mas a defesa técnica por profissional habilitado, que poderá participar de todas as fases do processo, inclusive fazendo sustentação oral na sessão de julgamento colegiado. Isto tem outro lado positivo que é a abertura de novos ramos de atuação para a advocacia, principalmente aos jovens advogados que atuam em matéria tributária dos entes municipais e estaduais.

Nesse contexto, sobressai a importância das decisões colegiadas, pois a interpretação do Direito é questão complexa e por isso, deve propiciar à argumentação e à divergência de ideias, assegurando a concretização do princípio do contraditório através da participação efetiva e influência das partes na elaboração da decisão, seja ela administrativa ou judicial. Quanto maior o número de atores envolvidos nesse processo, maior será a probabilidade de acerto da decisão. No processo judicial a decisão colegiada é a práxis adotada nos Tribunais, precisamos evoluir para que essa práxis seja trazida também para o âmbito do processo administrativo, especialmente o processo tributário.

Encerro o artigo com uma citação: GUTMANN, Amy; THOMPSON, Dennis. O que significa democracia deliberativa. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, ano 1, n. 1, p. 23, jan./mar. 2007:

“ A democracia deliberativa é “uma forma de governo na qual os cidadãos livres e iguais (e seus representantes) justificam suas decisões, em um processo no qual apresentam um aos outros motivos que são mutuamente aceitos e geralmente acessíveis, com o objetivo de atingir conclusões que vinculem no presente todos os cidadãos, mas que possibilitam uma discussão futura”.

Romualdo Paulo Marchinhacki é Advogado. Procurador do Município de Blumenau. Presidente da OAB Blumenau 2016-201

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