Sobre esse estranho hábito de estar sempre bem

É fundamental que um ser que se diz racional, capaz de sentir emoções e vivendo nessa correria diária e louca se sinta desamparado, triste, reflexivo, ansioso. E é isso que nos difere de máquinas, então por que essa mania de não querer lidar com os pesos e tombos? Por que essa obrigação de passar por cima dos seus próprios sentimentos?

Eu acho cômico como o ser humano tem sempre essa obrigação de querer estar bem, de tentar evitar em pensar nos seus problemas porque assim é como se de fato eles não existissem e desse jeito você não precisa lidar com eles. A gente age até inconsciente, quando alguém raramente nos fala que não está bem, é quase que automático responder que tudo vai passar e a pessoa vai ficar bem. Mas por que? Eu sou a favor de cada um lidar com a sua dor a sua maneira, acho fundamental que um ser que se diz racional, capaz de sentir emoções e vivendo nessa correria diária e louca se sinta desamparado, triste, reflexivo, ansioso. E é isso que nos difere de máquinas, então por que essa mania de não querer lidar com os pesos e tombos?

Eu conheço pessoas que são explosivas, que ao lidar com grandes emoções surtam e se desesperam, conheço outras que absorvem tudo tão pra dentro de seu interior que uma hora o corpo começa a cobrar com crises de estresse e de problemas relacionados à saúde.

Eu acredito que sou uma junção disso tudo, eu crio umas paranóicas malucas na minha cabeça, tenho alguns tipos de medo infundados a ponto de errar o ônibus que ia pegar e ligar para o meu companheiro perguntando se eu havia morrido, e de repente me sentir com a respiração ofegante, os batimentos cardíacos e acelerados, uma sensação horrível que eu não desejo pra ninguém. Devo assumir que após esse episódio eu criei um certo receio em pegar ônibus, mas moro em São Paulo e é como se a selva de pedras me obrigasse a lidar com os seus fantasmas, afinal, eu preciso de transporte público diariamente. E mais uma vez chego à conclusão que a nossa obrigação de estar bem é evidentemente clara e que surtar não é algo permitido.

Quem me conhece mais intimamente sabe que eu tenho mania desde criança um tanto quanto absurda e autodestrutiva, a qual eu nunca eu soube lidar e tampouco achava ser algo relevante, mas o meu jeito de lidar com a minha ansiedade é despejando tudo em cima do meu corpo, da minha pele. Funciona assim: é normal que um pernilongo te pique e vire um machucadinho, ou que ao tirar uma espinha crie uma casquinha para a cicatrização, ou um aranhão após uma queda, certo?

Porém o que acontece comigo é que ao ver esse tipo de machucado na minha pele eu não consigo (ou conseguia) parar de mexer nele, ao ponto de sangrar, de manchar, de ficar feio! Isso começou a me preocupar numa proporção gigantesca porque de repente parece que todo mundo começou a me cobrar: “nossa, esse machucado nunca vai sarar?”

E então eu decidi encarar meu medo e por meio de pesquisas eu descobri que NÃO, não vai sarar tão facilmente porque eu sou DOENTE, o nome disso é Compulsive Skin Picking ou Conduta Auto Lesiva. Ao ler artigos sobre eu me senti tão acolhida que mergulhei nas minhas lágrimas e chorei de soluçar, é como se tudo fizesse mais sentido agora.

“Ah, mas você se sente aliviada por saber que é doente?” Sim, eu me sinto aliviada porque a partir desse momento eu pude então encarar de frente às minhas dores, eu pude parar de me cobrar tanto e desde então eu venho travando uma luta diária com o meu desejo de mexer nos meus machucados, porque o ócio e a ansiedade são os aliados da tal mania, é uma válvula de escape de maneira que chega a ser prazeroso fazer escoriações na minha própria pele.

Acho que o lema de todo ansioso é “um dia de cada vez” e eu venho seguindo bem essa frase, ultimamente tem sido cada vez mais frequente querer estar só, acho que tenho mais facilidade em colocar meus pensamentos em ordem e consequentemente eu choro. Uma vez li uma frase numa postagem bem tosca de facebook dizendo que o que cura e acalma não é água com a açúcar e sim água com sal: mar, suor e lágrimas. Então eu choro e eu gostaria de tentar expressar com palavras, com desenho ou com qualquer outra coisa o quanto essas lágrimas me aliviam, o quanto me purificam, o quanto limpam minha alma e amenizam minhas dores, em como eu me sinto mergulhada somente na profundidade do tal do meu infinito interior.

À conclusão disso tudo é bem simples: não sei qual a sua maneira de extravasar, de tentar lidar com o seu “eu”, mas por favor, pare de se obrigar a se sentir bem a todo momento. Pare de julgar quem não está bem e pare de fazer comparações ridículas do tipo: “ah, mas fulano não tem pai, mãe, emprego, escola..” Respeitem e não julguem as dores alheias. Aprendam a lidar com cada ser individualmente mesmo estando dentro desse coletivo que somos inseridos. Se permitam sentir e carpe diem (mas um dia de cada vez).

 

 

Poliane Teixeira

Louca apaixonada pela vida, pelas pessoas e principalmente pelos animais. Ariana nata, derretida pior do que manteiga. Riso fácil e gargalhada frouxa. Impulsiva mais do que eu gostaria. Tenho um relacionamento sério com filmes e séries, cobertor, travesseiro e dormir de conchinha. Apaixonada por São Paulo e por viagens. Boa ouvinte de mesa de bar, degustadora de cerveja barata, viciada em comida e admiradora da música popular brasileira e cinema nacional..
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